Nos muitos encontros literários que tive com crianças e adolescentes, a pergunta sobre qual seria meu livro preferido sempre se repetiu. A resposta também seguia um caminho recorrente: quando se lê com frequência é muito difícil, talvez impossível, apontar qual o melhor livro já lido, mas uma lista dos 10 notáveis é viável, mediante muita reflexão e a separação por gêneros, nacionais e estrangeiros etc.

‘O Mestre e Margarida’, do ucrânio Mikhail Bulgákov (1891-1940) é presença certa em qualquer das possíveis listas que elaborasse. Descobri o autor e a obra no início nos anos 1990 e já a reli mais de uma dezena de vezes. Sempre me impressionou o quanto ambos ainda são pouco conhecidos, mesmo entre leitores contumazes e seletivos. Em um breve e privilegiado encontro com Marina Colasanti, em Chapecó, em 2015, convidada de um evento literário do qual participei da organização, dialogamos sobre autores e títulos de maior predileção – e citei ‘O Mestre e Margarida’. A autora fez uma expressão de desagrado, admitindo que o livro fora muitas vezes indicado, mas ainda não lido. O crítico Manuel Costa Pinto foi outro que conheci e lamentava ainda não ter desfrutado do envolvente, mordaz e original texto de Bulgákov, que no citado livro traz claras influências de Johann Goethe (incluindo a epígrafe) e de Fausto, sua Magnum opus.

Ferina crítica ao regime de Josef Stalin, a obra entrelaça tramas de Moscou da segunda década do século passado com os dias finais de ‘Jeshua Haz-Nozri’ (Jesus de Nazaré) e seus encontros com Pôncio Pilatos. A comandar uma desordem surreal no cotidiano de escritores oficiais (fiéis ao regime comunista e, portanto, repletos de privilégios) está Woland, um diabo intelectualizado, provocativo e sarcástico – e seu extravagante ‘petit comite’, que inclui um enorme gato negro e humanizado. Drama e humor, crítica e reflexão entremeados em uma obra-prima de um dos mais notáveis clássicos da ficção do século XX.

Foto: Reprodução capa edição Alfaguara

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